quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O dia em que a caverna foi invadida

- Tem alguém ai?
- ...
- Eeeeeeeeeeiiiiiiiiiii! Tem alguém ai?
- ...
- Eu tenho água, posso ajudar! Consigo ver essa luz... Também vejo um grande vazio!
- Tá maluco?
- Sabia que tinha alguém...
- Eu tenho fogo.
- Eu tenho água.
- Eu tenho uma faca de ferro também! Herdei do meu pai.
- Eu só tenho fogo e fumaça. Na vida que levo, aprendi a não comer com faca.
- O que foi isso?
- Isso o que?
- Sentiu a terra tremer?
- Tá passando mal?
- Não sentiu?
- Não! Vem, agora que entrou, senta nessa pedra, toma sua água e fica perto do meu fogo. Tá frio.
- Tá mesmo. Tá sozinha por que?
- Pelo mesmo motivo que você.
- Impossível. Você nem me conhece pra saber.
- E nem você a mim pra dizer que é impossível. E agora?
- Tá certo, tá certo. Aqui vai água, fogo, ferro, pedra, fumaça, você e eu sentindo a terra tremer. Não faz sentido nenhum eu querer achar um sentido possível.
- Viu? Estávamos sozinhos pelo mesmo motivo que não estamos mais.
- Devo perguntar qual seria o motivo ou vai continuar sendo a mulher enigmática das cavernas?
- Hahahahaha... Acho que você veio pra me libertar. Não que isso dependa de você, mas partindo do ponto de vista da impermanência e interdependência das coisas, vou aceitar tua água, te esquentar com meu fogo e pensar no jeito mais livre de ser agora que nos encontramos.
- E você já não era livre ontem?
- Sim, até você aparecer.
- Ué... Vim pra te libertar ou pra te prender?
- Ontem meu conceito de liberdade era outro, agora que você chegou as coisas mudam um pouco.
- Que liberdade ambulante é essa?
- E como seria liberdade se não fosse ambulante?
- Tá certa de novo. Também aprecio o movimento.
- Tá vendo. Eu não disse que era pelo mesmo motivo?
- E eu achando que você não comia com faca por que usava as mãos! Só come fruta?
- Tenho é medo de matar.
- Eu mato pra você!
- E eu? Morro por você?
- Hoje em dia ninguém faz isso! O mundo tá egoísta demais.
- É, talvez esteja certo, acho que sabe mais de lá de fora do que eu. Mas, enfim... Minha caverna é pequena, não cabe.
- Quer que eu vá embora?
- Não. Gostei de você! Mesmo. Só quero que deixe egos e ismos do lado de lá.
- E aqui dentro sobra o que?
- Nós quatro!
- Quatro?
- Eu e tu, tu e eu!
- Boba!
- Hahahahaha...
- Você é muito bonita.
- Quero aprender e cultivar essa beleza!
- A sua?
- Não. A tua.

Ele sorriu como quem nunca tivesse sido elogiado, trocaram olhares com o peso que os olhares dos homens da caverna deviam ter. Ele vai um pouco para o lado e ela se senta na pedra. E naquela caverna brutalmente invadida, ambos mataram sua sede e se aqueceram para sobreviver.

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