quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Fera, bicho, anjo e mulher!

Começo esse texto dizendo que meus peitos pesam. Sim, por vezes os carrego com a ajuda de um sutiã, outras vezes deixo que a gravidade me ajude a senti-los.
Agora, me exponho. Certo dia, em um lugar do quintal onde nenhum vizinho alcançava a vista, eu tomava sol e resolvi banhar os seios que um dia hão de alimentar aquele que vier me eternizar.
"Fiiiiiiiiiiuuuuuuuuu, fiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!"
Eu estava em casa, em um lugar onde nunca havia sido incomodada ou invadida e não fazia nenhum sentido que aquele assobio viesse pra mim. Espera! Dai um pintor, pendurado em um lugar onde não havia janela nenhuma deu todo o sentido praquele assobio invasivo e desrespeitoso.
Pronto, dai vi ele e dois companheiros de trabalho fazendo uma pequena pausa para contemplar os dois sóis que em mim habitam! E alguma coisa brilhou de onde estavam, se espelho, celular ou lata de tinta, nunca saberia, mas nada brilhou mais do que o escudo que meu peito formou em nome de todas aquelas que sentem o peso do peito que tem.
Coloquei meu vestido e fui para a porta de casa. O prédio que pintavam ficava no quarteirão ao lado! É que eu também sei assobiar, sabe?
"Fiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!"
Eles olharam e eu acenei com a mão chamando para onde eu estava, em resposta, acenaram com sinal negativo e continuaram seu trabalho.
"Fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!"
Eu insisti e tive a mesma resposta. Comecei, então, a caminhar para a portaria do prédio! Afinal, se meus peitos agora eram públicos, aquela situação também seria.
"FIIUUUUUUUUUU!"
O assobio agora não era meu. Olhei para cima e o sinal era outro, um sinal como quem dizia: "Espera!".
Enquanto esperava a presença dos três, uma viatura da Polícia Militar passou pela rua, com dois policiais do sexo masculino, dei sinal: "Tudo bem? Boa tarde! O negócio é o seguinte, estava dentro de casa, tomando sol sem a parte de cima de meu bíquini, sempre fiz isso e nunca tive problemas, é um local em que nenhuma janela vizinha avista, mas a questão é que o prédio de lá está com pintores e eles ficam em um lugar que eu nunca cogitaria me preocupar, estão pendurados. Um deles assobiou e quando olhei vi algo refletindo, estou com medo de ser um celular ou uma câmera e gostaria de me assegurar que não tem nenhum registro da cena. Como posso proceder?"
"Olha, senhora, nesse caso não há nada que podemos fazer, o certo seria fazer um BO na delegacia para registrar a ocorrência. Se quiser podemos leva-la até a delegacia mais próxima!".
"Muito obrigada, pode deixar que eu resolvo, então!"
Os policiais estavam mais entretidos com a história do os pintores estavam com meus seios, por lá ficaram para acompanhar o que viria, um deles desceu e já veio se desculpando:
"Senhora, me desculpe! Na verdade não tenho nada a ver com isso, foi o moleque quem assobiou, falei para ele não mexer! Eu estou no meu trabalho, sou pai de família!"
"Olha, entendo, acredito em você, mas enquanto eu não olhar o celular de cada um de vocês e me certificar que o registro do meu peito, por muita sorte de vocês, ficou apenas na memória, eu não saio daqui. Caso eu saia sem que isso aconteça, pode ter certeza que estarei em alguma delegacia registrando a ocorrência para entrar em contato com o serviço de vocês e condomínio desse prédio!"
"Imagina, senhora, entrego meu celular na sua mão, eu não faria isso! Imagina... Eu amo a minha família! Vou avisar os outros para descerem."
Desce o segundo:
"Olha, senhora! Foi o outro rapaz quem assobiou, ele já está descendo!"
"Ótimo. Posso ver seu celular?"
"Pera ai! Eu não tenho nada a ver com isso. Ver meu celular já é invadir minha privacidade!"
"Opa! Hahahaha... Então você quer falar sobre invasão de privacidade? Eu, na minha casa, no meu quintal, com o meu corpo, sofrendo assedio de três homens que ao invés de estar trabalhando resolvem procurar possíveis corpos a mostra na região?"
"Mas não foi eu quem assobiou!"
"Eu vi algo refletir e não faço a mínima do que foi, existe a possibilidade de ser um celular e isso eu não quero que seja, estava em casa e não estava posando pra ninguém. Se eu quisesse ser fotografada eu com certeza pediria, não tenho problemas com isso. Vim aqui resolver isso de forma simples e impor o respeito que vocês não tiveram. Ou você me mostra ou eu resolvo de outra forma, mas com certeza vou resolver isso para que não haja exposição minha pelo desrespeito de vocês!"
"Tudo bem, senhora, tudo bem..."
Então ele fez menção de entregar o celular para um dos policiais que ainda estavam ali.
"Querido! Os peitos são meus, quem está falando com você sou eu, é pra mim que você entrega o celular e sou eu quem vai ver se tem fotos minhas nele ou não, três machistas vendo meus seios já é o suficiente, se tiver qualquer foto ai, quem vai ver sou eu!"
Vi as fotos do moço, pai de uma bebe linda, ganhou até um elogio pra filhota, o primeiro desceu e o celular veio junto. Nada em um e nada no outro. Desceu por último o dono do assobio.
"Vem cá, queridão? Qual o teu problema? Tem mãe, irmã, filha, namorada? Tem noção do desrespeito que acabou de cometer? Sabe que eu estava na minha casa e meus peitos em momento algum apontaram pra te agradar e receber um 'fiufiu' de volta? Já agradeceu a sorte que teve em contemplar os seios de uma MULHER que nunca ganharia com esse tipo de atitude machista e ridícula? Tem noção que são atitudes como essas que fazem com que mulheres sejam expostas a violência doméstica diariamente pois se calam sentindo-se culpadas pelo simples fato de carregarem seus próprios peitos, peitos esses que com certeza já alimentaram essa boca que hoje assobia achando que pode invadir assim alguém que deveria no mínimo respeitar pelo simples fato de ser mulher e gerar e alimentar vida de moleques como você?"
"Desculpa, senhora, a senhora está certa!"
"Tá! Agora esteja consciente de que eu sou uma em um milhão e que infelizmente pouquíssimas mulheres coragem de assobiar de volta e falar mais alto que três MOLEQUES juntos e que infelizmente pela desvalorização do nosso sexo pequenas atitudes como a sua abrem espaço pra um xingamento, afinal, é só um xingamento, uma agressão física, afinal, um tapinha não dói, e toda uma vida de violência, afinal que é a mulher senão um objeto pro entretenimento do homem? Portanto, nenhum assobio mais sai da sua santa boca para desvalorizar o corpo de uma mulher que não tem forças ou confiança o suficiente para se defender, você não desrespeitará mais nenhuma mulher como você desrespeitou a mim! Está entendendo? Eu faço o que eu quiser do meu corpo e, tenha certeza, o que eu fizer será pra mim e para o meu bem e não para agradar qualquer outro alguém."
"Com certeza, senhora! A senhora está certa!"
"E é bom levar a sério, por que daqui pra frente não saberei das tuas atitudes, mas a minha mandinga é braba e pega forte! Deixa eu ver seu celular."
Vi e nada. Hora da polícia militar entrar em ação:
"Senhora, por segurança, o ideal seria que a senhora fizesse um BO."
"Opa! Eu agradeço a preocupação com a minha segurança mas como não podem fazer nada, prefiro que continuem sem ter o que fazer agora que a situação já está resolvida!"
O carro foi embora. Nenhuma foto nos celulares. Mil desculpas direcionadas a essa senhora que vos escreve e toda uma falange de Anjos, Santos, Deuses, Demônios, Deusas, Fadas, Gnomos e  Orishas, vigiando a boca de cada um deles.




E antes que teu comentário machista venha querer aumentar a gravidade de situações como essa, eu esclareço: se fosse um cara rico não haveria diferença, eu pago minhas contas, mas se quiser cuidar da minha via, te mando algumas, quem sabe eu aceite alguma opinião sua quanto trouxer o extrato delas pagas em dia; se fosse um cara gato também não faria diferença, eu, sinceramente, chamaria os três, um de cada vez, para pintar a minha casa, mas falta de respeito e machismo secam minha lubrificação divina e abundante e me assassinam o tesão; bom, se eu tava mostrando, queria o que?, queria a mesma naturalidade com que olhamos para um homem sem camisa, só ai mães poderiam amamentar seus filhos em paz. E se reclamar, tiro a parte de baixo e tomo sol na rua, até você entender que meu peito não é brinquedo, é carne, osso e está acoplado a uma cabeça que pensa e alimentar uma boca que é doida para gritar coisas de um coração que protege mesmo e só tem amor pra dar!

De peito aberto,
Rafaela Rocha