sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Embriagada

Eu ia me embriagar, mas decidi raspar careca.
Eu ia me embriagar, mas estava forte demais pra isso.
Eu ia me embriagar, mas não tinha ninguém pra olhar.
Eu ia me embriagar, mas decidi dançar.
Eu ia me embriagar, mas achei melhor praticar yoga.
Eu ia me embriagar, mas resolvi me pintar de tinta.
Eu ia me embriagar, mas eu não estava podendo cair.
Eu ia me embriagar, mas eu queria enxergar.
Eu ia me embriagar, mas antes tinha muita gente olhando.
Eu ia me embriagar, mas já não estava mais tão forte assim.
Eu ia me embriagar, mas resolvi me apaixonar.
Eu ia me embriagar, mas provavelmente não faria sentido.


Certa vez, me embriaguei de pinga. Depois de uma ressaca brava, me abraçaram, percebi que o que sempre quis foi me embriagar de vida.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O farol abriu

acelerei mas o carro estava em ponto morto.
O farol permaneceu aberto e eu ali, em ponto morto tentando acelerar.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Salve-se quem puder!

Longe de casa, pela primeira vez eu sentia o sol esquentando minha cabeça. Segui em uma trilha com árvores antigas, caminhos nem tão caminhos assim, algum lixo mostrando que eu não era a primeira a passar por ali. Caminhei, caminhei, caminhei. Tirei meu calçado e descalça molhei o pé naquela água sem cheiro, sem cor, sem gosto e tão gostosa. Matei a sede da vida inteira. E nua me banhei!
Com a mesma força com que a água caia na minha cabeça o meu coração quebrava aos murros os muros que o impossível constrói naqueles que se esqueceram que no mato tudo pode, até nadar pelado e ficar com o pé sujo. Limpa, sem me ensaboar, coberta, sem me cobrir de roupas, dizendo o que penso, sem ter de falar uma palavra.

No caminho de volta, já perto do concreto, tratores trabalhavam para construir um rodoanel que nos fará consumir mais sabonetes,  comprar roupas que nos dê personalidade e nos ensinará a falar para gritar com o primeiro que cortar o nosso carro que por ali irá passar.

Já mais perto de casa, li que só o amor salvará o mundo e em seguida ouvi perguntarem quem foi que disse que ele precisa de salvação? Sinceramente, estou careca de saber que o mundo não tem mais salvação, mas optar pelo amor ainda é a minha opção.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O dia em que a caverna foi invadida

- Tem alguém ai?
- ...
- Eeeeeeeeeeiiiiiiiiiii! Tem alguém ai?
- ...
- Eu tenho água, posso ajudar! Consigo ver essa luz... Também vejo um grande vazio!
- Tá maluco?
- Sabia que tinha alguém...
- Eu tenho fogo.
- Eu tenho água.
- Eu tenho uma faca de ferro também! Herdei do meu pai.
- Eu só tenho fogo e fumaça. Na vida que levo, aprendi a não comer com faca.
- O que foi isso?
- Isso o que?
- Sentiu a terra tremer?
- Tá passando mal?
- Não sentiu?
- Não! Vem, agora que entrou, senta nessa pedra, toma sua água e fica perto do meu fogo. Tá frio.
- Tá mesmo. Tá sozinha por que?
- Pelo mesmo motivo que você.
- Impossível. Você nem me conhece pra saber.
- E nem você a mim pra dizer que é impossível. E agora?
- Tá certo, tá certo. Aqui vai água, fogo, ferro, pedra, fumaça, você e eu sentindo a terra tremer. Não faz sentido nenhum eu querer achar um sentido possível.
- Viu? Estávamos sozinhos pelo mesmo motivo que não estamos mais.
- Devo perguntar qual seria o motivo ou vai continuar sendo a mulher enigmática das cavernas?
- Hahahahaha... Acho que você veio pra me libertar. Não que isso dependa de você, mas partindo do ponto de vista da impermanência e interdependência das coisas, vou aceitar tua água, te esquentar com meu fogo e pensar no jeito mais livre de ser agora que nos encontramos.
- E você já não era livre ontem?
- Sim, até você aparecer.
- Ué... Vim pra te libertar ou pra te prender?
- Ontem meu conceito de liberdade era outro, agora que você chegou as coisas mudam um pouco.
- Que liberdade ambulante é essa?
- E como seria liberdade se não fosse ambulante?
- Tá certa de novo. Também aprecio o movimento.
- Tá vendo. Eu não disse que era pelo mesmo motivo?
- E eu achando que você não comia com faca por que usava as mãos! Só come fruta?
- Tenho é medo de matar.
- Eu mato pra você!
- E eu? Morro por você?
- Hoje em dia ninguém faz isso! O mundo tá egoísta demais.
- É, talvez esteja certo, acho que sabe mais de lá de fora do que eu. Mas, enfim... Minha caverna é pequena, não cabe.
- Quer que eu vá embora?
- Não. Gostei de você! Mesmo. Só quero que deixe egos e ismos do lado de lá.
- E aqui dentro sobra o que?
- Nós quatro!
- Quatro?
- Eu e tu, tu e eu!
- Boba!
- Hahahahaha...
- Você é muito bonita.
- Quero aprender e cultivar essa beleza!
- A sua?
- Não. A tua.

Ele sorriu como quem nunca tivesse sido elogiado, trocaram olhares com o peso que os olhares dos homens da caverna deviam ter. Ele vai um pouco para o lado e ela se senta na pedra. E naquela caverna brutalmente invadida, ambos mataram sua sede e se aqueceram para sobreviver.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Sufocada


Parei pra entender se estava assim pelo peso que o mundo faz nas minhas costas. Não era isso! Fiquei pensando se o peso do meu próprio corpo, também não era. É tanto bem querer que sufoca!
Essa minha mania de achar que as pessoas querem ser amadas acaba me matando qualquer dia desses. Mas foda-se, se guardo pra mim, morro mesmo assim.
Que o mundo já não tem salvação, todo mundo já se conformou, mas e quanto a tua própria vida?
Não consigo mais ser apenas mais um em um milhão, de achar que só por que tá tudo uma bosta o que resta é cair de boca sem conseguir abri-la, isso sim me sufocaria até a morte.
Esse peso que senti, na verdade é o peso que os que bem me querem colocaram em mim, o peso de uma responsabilidade que eu nunca escolhi e a o cobrança que pra mim acontece com naturalidade.
A vida é muito mais do aquilo que você pensa, dos conceitos que lhe estão impostos, do que as vontades feitas, do que os sonhos não realizados, a vida é o que você faz com tudo isso.
Sufocada, de expectativas não correspondidas, de sonhos que não são meus, da vontade dos outros que eu compreenda que o mundo não tem salvação, da verdade que nunca consegui acreditar, das escolhas que pra mim ainda não foram cogitadas, das falsas aceitações, de admirações vazias, de elogios interesseiros e críticas invejosas. Respeite o que eu sou e então verá que eu já aprendi a te respeitar.

Ontem fui vomitar e parece que minhas vísceras saíram todas!
Estou limpando o chão de casa até agora. Estou colocando tudo de volta onde deveria estar.
Almofadas, louça limpa, livros, pulmão, intestino e coração.

Hoje estou conseguindo respirar. Respiro doce, com um sorriso leve no rosto, sorriso de quem resolveu deixar esse peso pra lá e ter prazer em respirar.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Das vísceras pro papel

Com a barriga dolorida de tanto rir e a boca exausta de acompanhar o ritmo em que a mente organizava minhas ideias: vomitei tudo o que estava guardado há um bom tempo, com falas desconexas, ideias soltas, pausas longas e nenhuma pretensão de ser compreendida, tudo aquilo estava cheio de verdade mas sem nenhuma bandeira que as representasse.

Somos constantemente enganados e expostos ao que deve ser e como devemos preparar o estômago para engolir tudo aquilo que é considerado normal normalmente imposto com a violência de uma verdade absoluta.

Afinal, ser feliz pode assustar muita gente, parece que a felicidade que existe no simples ato de encher e esvaziar os pulmões vem acoplada de uma certa culpa cristã que se instaura no coração quando nossos olhos enxergam a infelicidade sufocando aqueles que não aprenderam a importância na simplicidade do respirar.

E esse meu discurso é bonito, não é? Sobre respirar fundo e fugir dos padrões da normalidade normalmente imposta e respeito e escolhas e tudo que é poético, mas você ainda não viu nada: experimente ser visceral por um dia.

A questão é tão visceral quanto ter de segurar a vontade de cagar até que o próximo banheiro chegue ou até que sinta-se a vontade para cagar em um banheiro que não é seu. O alívio? É essa sensação que o visceral traz! Quase uma felicidade ridícula, fora do norma. A pureza daquilo que é por ser, sem conceitos, sem muito o que explicar, sem pretensões. É o vazio cheio para quem esvaziou para preencher o vazio do cheio que já transbordou.
 















Não confunda. Não estou incentivando um ato não pensado ou sem sentimento!

Estou fazendo um convite ao que está além dos limites que os outros podem ver mas você não pode ignorar. Estou te convidando para libertar seu intestino, estômago, pulmão ou talvez coração, em um banheiro com paredes de vidros mas com um vaso confortável.

Entra, senta, deixa a porta aberta, respira fundo. Agora solta o que as suas já vísceras não podem mais aguentar!

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Bêbado e a Equilibrista

Queime tudo, sem apego, e depois me diz o que ficou.

Continue andando, de olhos fechados, e depois me diz onde você chegou.

Pois eu lhes escrevo esse texto com a segurança de um palhaço bêbado que equilibra-se de ponta cabeça em uma corda que balança e mesmo assim não cai. Estou queimando o que vejo e fechando meus olhos para pegar o caminho certo.

Fiquei com o que sou, eu sem precisar mentir.
Cheguei onde sempre quis estar, em casa em qualquer lugar.

Pois lhes escrevo com a insegurança de uma equilibrista que ensaiou seu número diversas vezes mas mesmo assim ainda tem medo de errar. Estou vendo tudo queimar e andando para que meus olhos não se fechem.

Queimei, fiquei, andei, cheguei, bebi, cai, ensaiei, errei.
 
No final, insegura ou segura de mim, a corda bamba nunca parou.
No final, a platéia do circo aplaudiu de pé e nenhuma dessas questões de fato importou.

Desisti de fugir com o circo, hoje eu quero que ele pegue fogo!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Da liberdade que em meu peito habita

Eram belos. Eram um pouco caídos e muito naturais. Tinham uma forma perfeitamente arredondada para casar com duas mãos que fossem capazes de amar pelo toque. Aqueles peitos por detrás de uma blusa branca quase transparente me tiraram um sorriso. Eram peitos sinceros sem máscara alguma. Então foram cobertos pelo abraço de um homem. Um homem com peitos não tão vistosos e arredondados e sorriso de quem ama uma mulher.


E me senti presa dentro de um sutiã verde musgo que me incomodava os seios e gritava mais que meus delicados mamilos gritariam aos olhos de quem os notasse. Era tanta artificialidade, tanta repressão ao que é belo, cru e natural, tanto medo do que iriam falar, que me senti acolhida naqueles peitos que me falavam sobre a verdade num voto de silêncio eterno.


Deitei-me para dormir e tirei o meu sutiã. Acordei, guardei-o em minha bolsa, coloquei a minha blusa branca e sai. Cheguei em casa e percebi que no caminho poucos notaram a liberdade que em meu peito habitava já que a consequência que essa simples escolha gerava era um sorriso tão sincero que roubava a cena da malícia que tudo que é natural pode atrair.


Livre de mim mesma, livre por mim mesma. De peito aberto e seios de verdade. E não foi um ato feminista ou a favor de qualquer outra bandeira. Essa sou eu, sendo o que quero ser. Essa sou eu, descobrindo o que me liberta nessa selva concreta, notando o tamanho dos meus medos e pensando diariamente se vale a pena leva-los a diante.


Cobrindo peitos nus com sutiãs ou abraços, liberte-se do que não te faz bem e sinta-se melhor. E, então, quando menos perceber, estarão te sorrindo de volta não pela estranheza do que você é, mas pela naturalidade com que a sua estranheza aprendeu a ser!

sábado, 3 de agosto de 2013

Um grito no vácuo


Minha boca abre, o som não sai. Estou no vácuo de mim mesma, aqui tudo é denso, tudo é tenso.

Hoje eu quis me embriagar, hoje eu quis ensaiar para a morte.
Hoje eu pensei nas crianças sem pais, nos idosos abandonados, nos animais mal tratados e nas coisas mais puras e belas que passam despercebidas.

E quando sentei para jantar, me vi ocupada em nascer e morrer.

Gritei! Mas estava no vácuo, o vácuo de mim mesma.

E meu grito estancado, fica estampado na minha cara sem sorriso, na minha testa franzida, nas minhas mãos e braços que buscam outras mãos e braços no anseio de propagar o que mesmo no vácuo não cessou.

Não sei se cega de cansaço ou de ignorância, não há mãos que minha vista consiga enxergar.
Estou aqui, vomitando a comida que engoli.
Estou aqui, vibrando o grito que não fiz ecoar.