quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Ponte aérea

Ela vinha de cá, de um lugar onde o relógio marcava seis da tarde. Ele vinha de lá, onde eram seis da manhã. Se encontraram as três, enquanto esperavam pelo próximo avião com destino a qualquer lugar. Ela pensando o que a esperava, sem sorrir, sem graça de nada, esperando, também, o que nem sabia que esperava. Ele com certeza do que viria, sem certeza de que gostaria, rico de dinheiro e pobre de si, homem infeliz que aprendeu a sorrir. Estavam lado a lado mas nada que os fizessem perceber a própria presença, quem dirá a do outro. Eles estavam lado a lado, com fusos desajustados e sem sorrisos no rosto. Tamanho era o desgosto, não tinham força nem para reparar.

Uma hora se passou. Era sete da tarde, sete da noite e também quatro.

- Can I?
- O que? Oh... Sorry!
- Posso usar essa tomada?
- O que?
- A tomada. Posso usar para carregar um pouco meu celular?
- Pode, já carreguei o meu.

Ela percebeu que ele era bem bonito apesar de mal encarado. Ele percebeu o sorriso sem graça de quem não sabe disfarçar. Ele percebeu que gostava desse sorriso sem graça de quem não sabe disfarçar. Ela sorriu mais sem graça ainda e começou a gostar da cara que já não a mal encarava.

- Tá indo pra onde?
- Uma reunião de negócios, por isso preciso do celular.
- Fique tranquila, não perguntei por isso. Pode usar a tomada!
- E você?
- Resolvi fazer um mochilão na Europa.
- Sozinho?
- Sim. Tava meio perdido.
- Veio se perder em outro continente?
- É uma boa teoria.
- Eu tenho mais uma teoria!
- Qual é a sua teoria?
- Relacionamentos e fusos horários!
- Parece mais interessante que o meu destino, acho que tenho tempo para ouvi-la.
- Eu sempre caio em um questionamento, porque no final porque não me amarrei a ninguém ou por que meus relacionamentos passados não deram "certo". Daí, a teoria: éramos de tempos diferentes, eu estava em um fuso horário e a pessoa noutro, e o tempo de nosso relacionamento foi exatamente o tempo que esperávamos o próximo vôo, a ponte aérea, cada um para um destino completamente diferente. Chegando, então, a conclusão, que querer ajusta o meu relógio ao de outra pessoa que não vai para o mesmo destino que eu não faz sentido nenhum, o melhor a fazer é aceitar que daqui pra frente seguirá a viagem só, contemplar o céu ou aproveitar para tirar um cochilo.
- Muito bem! Você faz o que mesmo?
- Por que? Minha profissão vai alterar a validade da minha teoria?
- Curiosidade.
- Pesquisa de mercado para multinacionais.
- E como pensou em tudo isso?
- Muitas pontes aéreas de aviões e de relacionamentos mal resolvidos.
- Olha, acaba saindo muito mais barato e sensato do que um mochilão pela Europa quando não se tem fluência em nenhum outro idioma que não o português.
- E por onde vai começar?
- Zurique.
- Vôo 1545?
- Vôo 1545.
- É... Acho uma boa você ajustar teu relógio no meu!

Chegaram juntos as 8 da noite.

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